Pesquise neste blog

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Crônica da Cidade

Quarta-feira, 13 de abril de 2011 11:17 am

crônica da cidade

por Conceição Freitas



Teto do Beijódromo, projeto de Lelé para o Memorial Darcy Ribeiro, na UnB  




As águas e Darcy



Darcy Ribeiro deve estar chateado. A universidade que ele criou está ferida. As águas desobedientes arrastaram e destruíram equipamentos, móveis, paredes, chão, teto, banheiros, anfiteatros, centros acadêmicos, salas de aula e, o mais grave, pesquisas que vinham sendo feitas havia anos, como as do professor Rafael Sanzio, que se dedica, entre outros temas, a mapear o racismo no Brasil.


Faz muito que Darcy Ribeiro se entristece com a UnB, por razões diversas. Mas, quero apostar, que por mais desenganos que a universidade tenha cometido, nenhum deles nem todos juntos reduziram, num milímetro que seja, o ardoroso afeto que Darcy dedicava àquela que ele chamava de sua filha, “exageradamente embora”.


UnB e Brasília, Brasília e UnB, continente e conteúdo, são irmãs de sangue. Não sou doutora em história das universidades do planeta, nem do Brasil, mas duvido que hajam muitas que tenham nascido sob os mesmos princípios, fundadas num mesmo tempo histórico, sob a mesma conjunção de estrelas, como é o caso da criação de Brasília e do surgimento da UnB.


A universidade está na escritura de fundação de Brasília. Não custa repetir certo trecho do Relatório do Plano Piloto de Lucio Costa: “Cidade planejada para o trabalho ordenado e eficiente, mas ao mesmo tempo cidade viva e aprazível, própria ao devaneio e à especulação intelectual, capaz de tornar-se, com o tempo, além de centro de governo e administração, num foco de cultura dos mais lúcidos e sensíveis do país.”


Esse texto é de 1956. Quase 40 anos depois, em 1995, Darcy Ribeiro contou da visita que fez ao local onde seria construída a universidade: “Vim com uma amiga, percorremos este campus, que era uma macega, andando por cada trilha que se abria à nossa frente. Primeiro vimos, daqui, com pasmo carioca nos olhos, o esplendor do por-do-sol de Brasília de que fruímos longamente. Depois, deitados por aí, vimos o céu se acender, cintilando estrelado. Lá ficamos, olhos no céu, olhando o universo mover-se. Eu, se fosse ciente, deveria ter, naquela hora, o sentimento profundo, que minha inciência não via, de que conquistara um bom pedaço do planeta Terra para nele edificar a Casa do Espírito, enquanto saber, cultura e ciências: a Universidade de Brasília, nossa UnB.”


Sejam perseguições políticas, sejam denúncias de corrupção, sejam exibições narcísicas de poder, sejam furtos de computadores, ou sejam gordas nuvens cinzentas, toda vez que acontece algo de ruim com a UnB bate em Brasília. Desta vez foram águas de abril. A tormenta de domingo passado deixou um caminho de destruição, mas pode significar também lavagem para um recomeço.


“Olhando para o futuro nostálgico de mim e dos velhos tempos, — disse Darcy ao receber da UnB o título de doutor honoris causa — o que peço é que voltem ao campus aquela convivência alegre, aquele espírito fraternal, aquela devoção profunda ao domínio do saber e a sua aplicação profunda.” 

Nenhum comentário: